terça-feira, 25 de maio de 2010

TIRA A MÃO DA MINHA COXINHA!!!

O Governo do Estado de São Paulo proibiu o cigarro em estabelecimentos particulares — até mesmo as áreas reservadas para fumantes foram proibidas. Em seguida proibiu a venda de coxinhas, refrigerantes e salgadinhos em cantinas escolares. No caso do cigarro, o Estado pretende reduzir os danos relacionados ao cigarro e ao fumo passivo. No caso das cantinas escolares, o objetivo é combater a obesidade infantil e estimular a alimentação saudável. O problema não está nas intenções declaradas, que são sempre lindas, mas nos pressupostos e nas conseqüências de leis desse tipo.
Entre os pressupostos das duas leis está a idéia de que o cidadão é incapaz de cuidar de si próprio. Ora, os problemas relacionados ao cigarro são bem conhecidos e qualquer pai ou mãe sabe que coxinhas e refrigerantes não podem ser a base da alimentação de uma criança. Em outras palavras, há informações suficientes para que qualquer pessoa possa evitar esses produtos — cigarros, guaraná e coxinhas — ou consumi-los responsavelmente. É claro que sempre haverá pessoas dispostas a defender que cigarro faz bem ou que coxinhas são alimentos saudáveis e sempre haverá quem acredite nestas coisas. Mas há uma grande distância entre informar as qualidades e os riscos desses produtos e bani-los definitivamente.
As consequências de leis desse tipo são ainda mais preocupantes. No caso do cigarro, amplia-se a marginalização do fumante, como se ele não estivesse suficientemente marginalizado. O que antes era uma questão de bom senso e entendimento entre pessoas adultas — fumar ou evitar fumar ao lado de não-fumantes — agora tornou-se caso de polícia, como se não houvesse coisas mais importantes para a polícia fazer. No caso dos alimentos vendidos nas cantinas escolares a situação é ainda pior. O que era assunto para comerciantes, donos de escolas e pais de alunos passa a ser assunto do Estado e, como no caso do cigarro, da polícia também. E nas entrelinhas lemos que o Estado é competente para definir o que as crianças comerão no recreio, os pais não são.
Cigarros, coxinhas, batatas fritas, guaraná e os consumidores e comerciantes desses produtos são elevados à categoria de vilões. Enquanto isso, os verdadeiros vilões permanecem livres. Certamente é mais fácil proibir o consumo de coxinhas do que o consumo de maconha e cocaína; assim, o Estado constrói uma imagem de bom-mocismo e competência às custas da liberdade do cidadão. Só que o Estado não está genuinamente interessado em defender o cidadão. O Estado está interessado em aumentar o próprio poder, em invadir a vida do cidadão com restrições cada vez maiores e mais numerosas e em livrar-se das responsabilidades que não foi capaz de cumprir até hoje, pois o que é visto ajuda a esconder o que não é visto.
O mais preocupante é que a imagem de bom-mocismo realmente conquista a simpatia de muitas pessoas. Mesmo as mais inteligentes são capazes de concordar com o cerco ao cigarro e aos alimentos gordurosos, sem ver nisso qualquer traço de totalitarismo ou de atropelamento dos próprios direitos. Cegas para isto, aceitarão mais e mais deveres impostos desde cima e, naturalmente, se tornarão fiscais de um Estado que permanece à vontade para descumprir suas obrigações mais importantes e elementares. Quem não lembra dos «fiscais do Sarney»?
Levado adiante (porque mais proibições virão, é claro) o resultado deste processo é a dissolução da sociedade. Entre os alquimistas era comum a divisa «solve et coagula», que significa dissolver as substâncias antes de reuni-las em uma nova substância. Entre os esquerdistas, totalitários e estatólatras, «solve et coagula» significa dissolver a sociedade para transformá-la e reuni-la de uma outra forma, controlada e mais adequada às aspirações estatais — afinal, para os camaradas da nova era, direitos individuais não podem ser obstáculo para a criação de um «mundo melhor», sem cigarros, guaraná e coxinhas.
Publicado no jornal Canal Aberto em 1º de maio de 2009